Memórias de um chão de barro - Darci Ferreira

De repente muitas e muitas décadas se passaram, mas tenho bem nítido na memória algumas lembranças de quando com mais ou menos 5 anos de idade cheguei para morar na colônia da CABECEIRA DOS BUGRES.

Local onde era a antiga "Colônia do Varte", onde parte dessa história é narrada. Eram tempos de um Brasil rural, teimando com a urbanização acelerada, desterrando o homem do campo, empurrando-os para a cidade. Hoje cana, hoje lembrança de vidas intensas que por ali borbulhavam em plena existência. Foto - Marcos Antonio Corrêa

A cada abrir dos olhos vejo as imagens de como era ao redor de minha casa, parecia que tudo era muito grande, mas não era. No fundo quintal há alguns metros de distância tinha uma mina d’agua e um taboal, onde era várzea, um córrego e o calipeiro, muitas arvores de eucalipto que exalava  um cheiro maravilhoso na época da florada.

Essa várzea separava os pastos, as terras do Srº Otacílio, onde tinha muitas vacas, bois e cavalos e da mina lavando roupas tinha medo que os animais iriam vir atacar a gente. Desses pastos lembro-me de um episodio triste, não sei exatamente o ano, mas em um dia de chuva de tempestade raios e trovoadas, um raio caiu lá no pasto e matou vários animais. Quando isso aconteceu na minha casa parecia que tinha entrado um clarão de fogo e a gente ainda criança entrava em baixo da mesa e morria de medo.

Recordo também que colônia era nova e diferente, e confundia os vizinhos, pensava que todos tinham vindo também da outra fazenda, onde eu tinha morado antes.

Pensava que em outras casas da colônia tinha outras pessoas que tinham crianças que a gente já conhecia e tinha brincado antes, mas não.  Aos  poucos os dias, os meses e os anos passaram e chegou o momento de ir para escola era o ano de 1975.

Foi após entrar pra escola em Ribeirão do Sul que devagar fui conhecendo a criançada, cada mocinho, cada mocinha, ( pois é há algumas décadas atrás não se tinha adolescente e nem aborrecente eram  só crianças ou jovens), cada jovem, cada família e  todas as pessoas que já viviam em cada sitio, cada pedaço de chão dessa terra vermelha que ai me sustentou, me ensinou muitas coisas da vida e me abriu  novos caminhos e novos horizontes para crescer,  semeou minha raiz e deixou-me  uma historia pra contar.

Ia para escola caminhando junto com a criançada da colônia e dos sítios vizinhos, as vezes amassando o barro, ou engolindo poeira, depende qual era a estação do ano, se de chuvas ou de secas quando passava um trator, um carro, e até uma carroça com um bom cavalo a trotar.

Recordo-me da infância tão pequena e pobre criança, subia e descia as estradas de chinelas a caminhar. Ia pra todo lugar; ao campo de futebol brincar, a cidade estudar, à casa dos vizinhos rezar, e também ia trabalhar.

Nascida de uma família de fé católica, não demorou muito para uma igreja encontrar era só caminhar pelas estradas e o caminho levava, onde tinha a igreja que era mais perto de casa. Essa igreja CAPELINHA DOS BUGRES.
Foto de Marcos Antonio Corrêa
Antiga Capela do Bugre, mencionada por Darci. Não apenas religião, mas centro de convivência, trocas, alegrias e amizades que floresciam a cada encontro. Local partilhado nas emoções, vivencias e vidas de todos que por esse pedaço passaram. Foto - Marcos Antonio Corrêa

Ir a capelinha rezar não era só motivo de religião, mas também uma ocasião para encontrar outras crianças e ter lugar pra brincar o BARRACÃO DA IGREJA, que também era o barracão das festas e quermesses.

Mal a infância passou e este chão de barro uma lembrança triste plantou. Era maio de 1979 um dia de inverno, meu pai foi até OURINHOS levar a roda da charrete pra consertar ficou doente e não mais voltou. A partir deste momento minha historia mudou.

Minha mãe (CAMILA), uma jovem senhora com quatro filhos menor viúva ela ficou. Meu irmão mais velho com apenas 13 anos, eu e minhas irmãs com menos de 11 anos passamos a cuidar da casa, dos serviços de casa e ir pra escola.
Toda família reunida - Foto: Arquivo pessoal de Darci Ferreira

Minha mãe, Mulher guerreira, lutadora e batalhadora, todos os filhos ela educou e também nos alimentou e nunca nada nos faltou, não posso deixar passar que com a ajuda deste povo que ai também morou que também nos auxiliou e do chão de barro onde para muitos ela trabalhou.

Foi de roça em roça, de sítios em sítios para todos moradores, colheu de tudo e plantou e com todos ela se enturmou fez amigos e vizinhança que saudades nos deixou.

Mesmo com dificuldade e a vida bem cansada, minha mãe era animada, ia ao campo de futebol aos domingos pra torcer pelo time do BUGRE, e em todas as festas da igreja ela sempre ajudava.  Era em sábados à tarde a sua tarefa era; temperar, assar, lavar junto com a mulherada para a noite nas quermesses ver tudo que faziam para as festas acabar.

Tempo de muitas historias e também de união tinha também as rezas, as fogueiras, as festas juninas e as novenas de devoção.

Todo povo era bom reuniam-se para enfeitar e pintar o chão pra sagrada procissão do grandioso CORPUS CHRISTI protetor e nosso irmão. Tinha missa na cidade lá na PRAÇA em RIBEIRÃO.

Dentre todas as histórias tem aquelas de assombração, os caminhos para a missão, os diversos romances sabidos, alguns que eram escondidos, namoro entre amigos ou casais desconhecidos.

Até aqui tudo é perfeito, mas também tem o lado negro, onde a gente tinha medo.

Sempre que anoitecia tinha grande correria, a criançada que brincava lá no pasto de queimada, rapidinho se espalhava cada um pra suas casas; tínhamos medo de assombração, mula sem cabeça, lobisomem e saci, não sei quem teve a ideia de espalhar essas historias pra encher nossas cabeças.

Também tinha outro pavor, uma arvore lá na mata antes de chegar na cidade. Todo mundo só dizia que a meia noite ela deitava atravessada bem meio da estrada e nenhum carro e ninguém mais passava.

Tinha uma fruta muito boa, mas não podia pegar atoa. Se mexesse lá planta ela sabia quem era a criança. Era antes da vilinha que chamavam de pé sujo que essa mata existia. Quando  a noite eu estudava nem dormir não conseguia, tinha medo daquela árvore e tudo que ela fazia.

Muito me lembro de momentos que foram grandes eventos, tinham grandes e boas festas por que eram os casamentos.

Cabeceira dos bugres, este é um santo lugar com seu chão de barro e um grande e bom AR que contribuiu para todos respirar, porque poluição não tinha neste lugar.

 Um chão que criou e salvou muita gente, porque ai neste bom AR também tinha um estreito VÃO que permitia passar quem ai fosse morar; passar os pés que iam plantar passar os pés que iam estudar passar os pés que iam rezar passar os pés que iam trabalhar passar os pés que iam amar e todos os outros pés que por qualquer motivo precisasse passar.

VÃO que era uma estrada de chão de barro com muita terra e poeirão ou quando chovia era um enxurradão.

Lugar que em todas as estações do ano tem sempre um momento bom, se no outono ou inverno, se na primavera ou verão.

No verão muito calor ia lavar louça e lavar roupas lá na mina, por que na colônia da fazenda não em outro lugar agua não tinha.

 No inverno era só geada, muito difícil ir trabalhar; se colher ou se plantar  no cafezal, no canavial, no algodão macio e leve, mas minha mão a machucar.

O outono era bom tinha frutos de pomar, bananas, laranjas, mexericas, abacates, caquis até laranja de burro que dava pra dividir, por que essa só servia  pra fazer um belo doce e a nossa alegria, também tinha lá na horta tudo pra se alimentar.

A primavera era colorida, todas as árvores bem floridas, umas eram só de enfeitar, umas de dar frutas pra saborear e outras só de sombrear a todos que embaixo delas gostavam de sentar pra namorar ou somente descansar.

De tantas e muitas lembranças tem outra bem importante na noite de quermesse do padroeiro, também tive uma nova chance.

Um acidente de carro, alguém lá na direção eu que estava no chão foi um baque e um arremessão jogada pra longe da estrada em meio às terras aradas pra fazer a plantação. Um jovem garoto no volante que sumiu comigo num instante.

Vivia lá na colônia a família das sete filhas mulheres que tem muitas histórias pra contar e foi a dona DIDÉ do seu ZÉ que ajudou a me salvar.

Passeando ainda pelas memórias me lembro de todas as pessoas que morou neste lugar, das que foram para outros cantos do mundo e as que no céu foram morar.

Todos eram gente humilde, mas  com grande coração, viver neste lugar foi tudo muito bom, um povo de fé e união e tinha na CABECEIRA DOS BUGRES o seu pedaço de chão.
Dona Ana, saudosa lembrança, merecedora de uma história nesse blog, a esquerda, Leila Araujo a direita e os pais de Darci na sequência.
Dona Ana a esquerda, merecedora de uma história ainda nesse blog, Leila Araújo a direita, os pais de Darci  e Dirceu, seu irmão, na sequencia. Foto - Arquivo Darci Ferreira

Comentários

  1. O Sr.Luis Marins Romeira esta na frente da D.Ana Garcia Braga.

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  2. Luis Martins Romeira do Bugre perto de Salto Grande

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  3. O Sr.Luis Marins Romeira esta na frente da D.Ana Garcia Braga.

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