A Ferro e Fogo - João Luiz Viana
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Avelino Luíz Viana |
No raiar do dia, qdo o sol despontava no horizonte, lá no alto do espigão, ouvia-se um barulhão. Não era trovão, era o barulho da boiada no repique do chicote.
Era uma sinfonia, só faltava o berrante. Tudo orquestrado, ao descer do estradão o berrante era tocado. Seu som estridente por casas e casebres adentraram e crianças e velhos se emocionavam.
Nossa quanta alegria. As crianças saiam em disparada, até os cachorros se alvoroçavam. Era o sinal da chegada.
A boiada do Bugre de cima se encontrava com a boiada do Bugre de baixo. Com certeza era briga de boi grande. Todo cuidado era tomado para evitar o encontro dos touros. Eram bons de briga.
A molecada corria para ver a chegada da boiada. A poeira vermelha que levantava do chão do estradão nos ofuscava. Na dianteira os cachorros acostumados faziam a separação. Meu avô Avelino Luiz Viana, era o ponteiro, depois vinha meu pai Octacilio, tio Amprilio, Alfredo, Alcides e outros que gostavam da peonada. Também lembro do Damásio adestrador dos bons tinha cachorros treinados para lida do gado. Se um boi de desgarrasse era só um assovio do Damásio e pronto. Cachorrada dominava o boi.
Marcação de boiada era dia de confraternização a vizinhança se acostava.
No casarão a mulherada ia para a cozinha, era praticamente uma festa. Lembro- me da vó Florípedes, minha mãe Cândida e minhas irmãs Maria Alice e Marlene preparando os quitutes. Carne na lata, lombo de porco, pão caseiro, broa de fubá, queijo e café com leite não podia faltar.
Na mangueira, o trabalho era custoso, a molecada ficava assistindo. Era bonito de se ver, tudo sincronizado, os cachorros os cavalos. Lembro-me do Baio e do Alazão, cavalo treinado, até sem peão montado, fazia a condução do gado.
O gado era Gir, pensa nuns bois grandes e bravos. Se encontrasse dois touros era briga pra mais de dias.
Agora tudo preparado, fogueira acesa ferro de marcação vermelho igual brasa incandescente começavam o trabalho.
A ferro e fogo os bois eram marcados AV - AVELINO VIANA.
Tradição de décadas eram repassadas a ferro e fogo.
Confesso que gostava mais do final da marcação. Ficava por ali em cima da mangueira com meu irmão José e outras crianças. Braseiro na mangueira alguém buscava bambu e faziam espetos. Costela na brasa pra todos no final da tarefa. Para criançada sempre tinha uma surpresa. Sabendo dos acontecimentos Bernardino trazia pudim e as vezes queijadinha. Pensa numa alegria.
Terminado o trabalho começava a churrasqueada, umas bebidinhas aqui e ali e a prosa ficava animada.
Tio Amprílio tomava um conhaquinho, raspava a garganta e começava a contar os causos das caçadas e dos perrengues que ele passava. Eram caçadas pra mais de três dias. Saia de madrugada, viradinho no picuá, facão na gibeira e lá ia ele.
Adentrava mato fechado abrindo clareira no facão.
Durante o dia era perseguido por onças, matava jacaré na unha, cobras matava no grito. A noite era longa e aparecia de tudo, saci pererê, mula sem cabeça, lobisomem. Tio Amprílio bom de mira e bom de reza se safava de tudo. A caçada era sempre boa. A molecada vibrava com as histórias. Todos queriam ser valentes igual o tio Amprílio...
E aí, entre uma costelinha e outra mais causos iam sendo contados...
Quanta saudade daquele tempo das boiadas no estradão...
Hoje, minha querência está desnuda. No estradão, terra arada...
Um objeto aparece. Meu irmão José e meu cunhado Pedro arrancam do fundo do solo. Seria o ferro de marcação enterrado por tantos anos??? Sim, AV Avelino Viana, meu avô. Vendo o ferro de marcação puxei pela memória, lembranças tão remotas que do Bugrão virou história.
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Otacílio Luíz Viana com suas netas Vanessa e Valéria |
João Luiz Viana
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